eutanásia(s) & falácias

Falácia da bola de neve (ou da derrapagem)
Nesta falácia, a pessoa ataca o argumento contrário ao seu extraindo consequências dele e consequências das consequências, até chegar a uma última consequência inaceitável (que não resulta necessariamente do argumento). Algo do género: se permitirmos A, a seguir vai acontecer B e B vai levar a C, e C a D, e D a F, o que é uma catástrofe, pelo que não devemos permitir A, se não queremos (o inevitável e catastrófico) F.
A respeito da discussão sobre a eutanásia, tenho assistido a várias utilizações de falácias da bola de neve: "se legalizarmos a eutanásia isso vai acabar por dar ao Estado o poder de matar quem quiser ou quem for considerado descartável".

Sobre a eutanásia
Fazem-me muita confusão as intromissões na vida e nas decisões do indivíduo. Dito isto, quando advogo a proibição de algo, estou a impor ao outro a minha visão da vida e uma tabela valorativa; estou a dizer-lhe que ele está proibido de agir de certa forma porque eu acho isso errado. 

Ora fazem-me confusão as intromissões na vida e nas decisões do indivíduo porque em sociedade, normalmente, estas intromissões servem para garantir que não violamos a esfera de liberdade do outro. Por outras palavras, se o Estado se intromete na minha vida, que seja para aumentar a minha segurança e não apenas para me impor a ideia de moralidade de um dos muitos grupos de membros dessa sociedade (sim, eu sei que o Trump também diz que o que está a fazer é uma forma de melhorar a segurança dos americanos, eu sei).
Neste sentido parece-me que a proibição da eutanásia representa uma discriminação, pois impõe-se a proibição do suicídio a um grupo de cidadãos que não tem condições físicas para o fazer sozinho, por muito que queira, enquanto os restantes podem fazê-lo à vontade. E que não venham dizer-me que um tetraplégico pode sempre suicidar-se deixando de comer - isto equivale a dizer que se a pessoa quiser suicidar-se terá de o fazer aumentando exponencialmente o seu sofrimento, o que não me parece uma opção.
Assim estamos a dizer ao indivíduo que, porque NÓS achamos que a eutanásia é uma má ideia (ou que o suicídio é uma má ideia), OS OUTROS devem ser proibidos de o fazer.

Para evitar quem gosta de usar falácias da bola de neve, sou obrigado a dizer o óbvio: claro que o que disse não implica que devemos criar uma lei de acordo com a qual a eutanásia passa a ser legal só porque ao médico responsável apetece. Obviamente têm de ser garantidas algumas condições, como por exemplo a necessidade de haver prova documental de que aquele era efetivamente o desejo da pessoa, ou a salvaguarda de que a pessoa não é "empurrada" para a eutanásia como medida economicista de um hospital que precisa de libertar aquela cama...
Para evitar quem possa considerar que sou um promotor de suicídios em massa (tipo Charles Manson ou assim), sou obrigado a dizer o óbvio: não estou aqui a dizer que o suicídio é algo bom e desejável em si mesmo, nem a advogar o suicídio assistido. Obviamente acho que a vida é aquilo que tenho de mais valor. A questão é que não me permito impor esta minha visão aos outros.

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