mi(ni)stério de educação e ciência - quem prejudica quem?

Um dos argumentos que tenho ouvido/lido sobre a greve dos professores é o de que os professores não querem ser iguais aos restantes funcionários públicos. Porque têm todos a mania que eles são portugueses de primeira e os restantes funcionários públicos são portugueses de segunda… Enfim!

A resposta a este argumento parece-me tão óbvia que me aborrece escrever sobre isto, mas, ainda assim, aqui vai: de facto os professores são diferentes dos outros funcionários públicos! E este “são diferentes” não significa que a generalidade da classe se considere superior, nada disso. Este “são diferentes” significa que as restantes pessoas têm, normalmente, a possibilidade de efetivar os seus contratos (deixando de trabalhar com contrato a termo) volvidos 3 (três) anos a trabalhar para a mesma entidade patronal. Os professores, por seu lado, são contratados e recontratados pela mesma entidade patronal (MEC) durante décadas, sem sequer vislumbrar a possibilidade de passar a ter um contrato efetivo!

Mas as diferenças em relação aos restantes funcionários públicos não se ficam por aqui. Na generalidade dos casos, os funcionários públicos laboram de acordo com o horário do seu local de trabalho (normalmente das 9h00m até às 17h00m) e quando terminam o seu horário de trabalho seguem para casa e para as suas famílias. Com os professores isto não acontece. Pessoalmente cito sempre o caso de um amigo que, muitas vezes, me convida para ir até uma esplanada nos feriados e fins de semana e recebe quase sempre a resposta “não posso, tenho testes/trabalhos para corrigir”. A dada altura este amigo soltou um “mas tu estás sempre a corrigir testes? Não fazes mais nada?”, como se insinuasse que eu não tinha vontade de sair com os amigos… Pois é, estou! É que o horário dos professores também não é bem o mesmo que o dos restantes funcionários públicos!

E aqui não falo ainda (ou sequer) das restantes condicionantes associadas ao trabalho de um professor. E também não vou começar a explicar a relevância que têm na qualidade do ensino no país:
  • o aumento do número de alunos por turma; 
  • o regime de mobilidade especial que acaba no despedimento de uma série de professores (o senhor ministro diz que isto não vai acontecer, mas eu estranho que seja preciso legislar uma coisa que não vai acontecer);
  • o retirar a direção de turma da componente letiva (que também acaba no despedimento de mais alguns professores);
  • o aumento da carga horária semanal, quando a generalidade dos professores oferece (literalmente) uma série de horas de trabalho semanal ao Estado, sem cobrar por isso, aos fins de semana, à noite, aos feriados…

E ainda só enumerei 4 (quatro) aspetos!...


Outro argumento que tem saído da boca do senhor ministro é o de que a greve prejudica os alunos, ou que, ao fazer greve num dia de exame, os professores prejudicam os alunos.
Também aqui conviria ao senhor ministro evitar o raciocínio falacioso e ofensivo, que compara os professores a terroristas. Ao dizer que, caso cedesse neste caso e alterasse a data do exame para daqui a três dias, estaria a abrir um perigoso precedente, o senhor ministro está a partir do princípio que os professores são como os terroristas que, uma vez negociada a vida de um refém, passarão a raptar muito mais pessoas. Não é disso que se trata, senhor ministro, é da defesa de um melhor sistema de ensino. As pessoas não decidem fazer greve só por embirração consigo… O senhor não é assim tão importante!

Na minha opinião, aquilo que verdadeiramente está a prejudicar os alunos é a inflexibilidade do senhor ministro. A inflexibilidade do senhor ministro acabou por desembocar numa tremenda injustiça: na generalidade das escolas, os alunos cujos nomes começam com as primeiras letras do alfabeto fizeram exame, e aqueles que têm o azar de ter um nome começado por R ou V farão o exame mais tarde. A minha questão em relação a isto é: será que o senhor ministro não se apercebeu que a razão de todos os alunos fazerem exame no mesmo dia é todos responderem a uma prova com o mesmo grau de dificuldade, ou melhor, é todos responderem à mesma prova, evitando a amarga sensação de "a prova dele foi mais fácil que a minha"? Será que o senhor ministro não sabe que não há forma de garantir que a prova que virá a ser realizada tenha exatamente o mesmo nível de dificuldade da prova hoje realizada?

Neste aspeto parece-me insensato sacudir a água do capote e dizer “os professores estão a prejudicar os alunos e as famílias” quando a maior injustiça é criada pela má gestão de todo este processo por parte do senhor ministro.

Entretanto, enquanto escrevia estas linhas, o exame foi realizado numas escolas e noutras não. Com alguns alunos e com outros não.
O senhor ministro, em conferência de imprensa, disse que os alunos que não fizeram exame hoje não sairão prejudicados porque realizarão uma prova com o mesmo nível de dificuldade… Apetece-me perguntar: “em que planeta é que este senhor vive?” e “será que este senhor acredita no pai natal?”
É que não existem provas sobre as quais possamos dizer que têm o mesmo nível de dificuldade, a menos que estejamos a falar da mesma prova! Podemos falar de provas que, de um ponto de vista formal, apresentam um nível de dificuldade equivalente, mas isto não significa que as provas tenham o mesmo nível de dificuldade. Que o digam os alunos que fizeram a prova hoje e venham a achar o exame de julho mais fácil, ou os que não fizeram exame hoje e venham a considerar o de julho mais difícil!

De qualquer modo, que esperávamos nós? Afinal os professores não interessam nada, assim como os alunos não interessam nada! Não tarda estão a começar a dizer-nos que também há alunos a mais...

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